Meu nome é Ayla, eu tenho 15 anos de idade e até o 2° dia de 2006 chegar,
absolutamente todo mundo da minha família desconfiava da minha existência. Eles achavam
que eu era um cisto. Achou ofensivo? Calma, fica pior...
Quando minha avó e meu pai esperavam para me ver na maternidade, o seguinte
diálogo aconteceu:
— Nossa, olha que bebê do pé grande – minha avó apontou. O médico chegou alguns
segundos depois e perguntou:
— E aí, gostaram da Ayla Júlia?
EU ERA O BEBÊ DO PÉ GRANDE.
Desde o meu nascimento eu faço parte de situações/conversas/acontecimentos absurdos ou minimamente capazes de desencadear um furacão do outro lado do mundo. Gosto de nomear essa particularidade de Potencial Caótico. Todo mundo tem um pouco, é só começar a prestar atenção nas esquisitices que circundam seu cotidiano.
Na creche, meu Potencial Caótico era muito mal dosado. Mas você também não acha
que essa coisa de pacto social é muito estranha? Como eu iria saber que levar maquiagem
escondido e produzir meus colegas era proibido? A vida é muito específica para a criação de regras. Existem situações que podem acontecer dentro de situações. E situações que
acontecem dentro de situações que, previamente, já eram situações com situações
acontecendo. Consegue me acompanhar?
O ponto, caro leitor, é que a vida é feita de imprevisibilidades. Uma dessas me atingiu
quando meus pais meio que faliram e eu fui cursar o Ensino Fundamental numa escola pública aleatória. E antes de você me acusar de “rich people problem”, duas coisas: o colégio particular era de bairro. Não é como se nós fossemos ricos – lê-se burguês safado – pra pagar uma instituição de elite. Dois: foi difícil pra mim por ser, repentinamente um ambiente novo, com pessoas e coisas novas. E, bem, meu potencial caótico não foi muito bem aceito por lá.
Eu passei os dois primeiros anos com dificuldade pra me adaptar à metodologia.
Resultado: tinha que rever tudo em casa. E nessa de estudar no período da tarde, chegava em casa a noite e tinha de ir fazer lição. Sem tempo pra assistir Carrossel, Chiquititas ou quaisquer outra novelinha que fosse assunto no outro dia.
Devo confessar que não aconteceu nada de épico durante esses anos. Meus pais se
divorciaram, eu tive alguns pets, mudei de casa e passei por aquela típica transição de gênero musical que marca a pré-adolescência. Por vezes, me refugiei na escrita; aos 13 até consegui lançar um conto meia-boca num livro da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.
Confesso que até o 8° ano meu potencial caótico estava se dissipando, parecia que,
finalmente, eu estava começando a voltar à estabilidade das minhas faculdades mentais.
Passei a fazer voluntariado, até entrei em um projeto extra-curricular. 2019 foi o último ano em que eu passava mais de um dia sem surtar. Afinal, carambolas, você acha mesmo que eu sou assim e não sofri influência nenhuma de 2020?
Não consigo encontrar adjetivo melhor para designar esse ano senão uma desgraça.
Mas, apesar de tudo, foi uma desgraça com algumas facetas positivas. Neste bendito ano, eu percebi que queria fazer com que todo jovem brasileiro fosse transformado pela Educação, assim como eu fui. No meio de uma pandemia, acabei desenvolvendo uma plataforma que basicamente atendeu a uma demanda governamental. Pra não te entediar com essa conversa de nerd, o ponto é que duas estudantes do ensino fundamental foram mais competentes que alguém qualificado pra resolver um problema emergencial, entendeu? Perdão pelo palavreado, mas aquilo foi de arrebentar a boca do balão.
E nessa de mudar a Educação, me inscrevi num projeto de poesia da escola. O
trabalho começa da base, né? Conheci os slams e talvez eu tenha me apaixonado pela poesia marginal. Nunca me encontrei nas flores que Fernando Pessoa mencionava e talvez isso tenha me colocado um bloqueio em relação às poesia. “Tem tanta merda acontecendo no mundo e a galera querendo escrever textinho?”. Me julguem, eu não sabia que dava pra escrever sobre as merdas do mundo também.
Ganhei o Slam da escola. E eu achei que os jurados estivessem com pena dos meus
textos, por isso a nota alta. Fui pro Interescolar Estadual. E, eu vou ter que escrever isso com maiúsculas gritantes: FIQUEI EM PRIMEIRO LUGAR. Se já não tava bom, fui pro Interescolar Nacional. Por um décimo não alcancei a 1° posição. Mas poesia é poesia, o que importa é manifestar, certo?
Tudo bem que eu passei três meses da minha vida traumatizada, com uma leve raiva
de mineiros poetas – eu espero que isso não chegue na ganhadora do Nacional, mas se
chegar, DESCULPA – e um medo da escrita. Coisa de gente competitiva.
Agora nós estamos em 2021. Entrei em uma tal de ETEC, curso Desenvolvimento de
Sistemas lá. Poeta e programadora. Combinação incrível, hein? Devo confessar que está
sendo um inferno. Eu não aguento mais as aulas online e sinto ódio de tudo e todos. Não tenho tempo pra tomar um caldo de cana – e nem condições, afinal, pandemia – e a minha vida aqui é uma desgraça. É isso que torna tudo tolerável.
Tem muita coisa pra acontecer. Um dia eu vou ter uma página na Wikipédia e você
pode acompanhar – aqui a gente chama de cuidar da vida alheia – minha biografia por lá.
Quem sabe o Potencial Caótico não vira uma grande teoria da conspiração?
Até lá, todo mundo já vai ter surtado de vez.
– Ayla.
Ayla é uma jovem embaixadora da educação, poeta e futura programadora.
Ela participa do grupo de Jovens do projeto É DIA DE ESCREVER.
Uma garota inspiradora que você pode conhecer no instagram @aylajuliaf
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