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Foto do escritorBob Wilson

O Fantasma dos Corredores da Empresa

Queridos Leitores e Leitoras,


Tenho uma vida de traumas, sentimentos e ódio funcional reprimidos quando o assunto é "Trabalho".




Já perceberam, ou já devo ter falado aqui algumas vezes, que não sou muito de me relacionar com pessoas. Isso começa lá na minha infância quando, tímido demais para fazer amizades, eu sempre optei pela solidão da escrita, ou de um violão. O pouco que me relacionava com o mundo era por meio do futebol. Ainda assim, sempre fui o quieto do time.


Levei a vida assim. E, nesta longa estrada da vida, conheci outros e outras que, assim como eu, cagam e andam para holofotes, medalhas, milhares de seguidores e contatos. Somos na nossa. Fazemos o que tem que ser feito e não estamos nesta empresa para ser amigo de ninguém.


Nossa, Bob Wilson, que amargo você!

Entendam que é claro que tenho amigos e amigas do trabalho, da infância, no bairro. Mas, costumo diferenciar bem quem são os "meus" e quem tenho que conviver. Costumo dizer que tenho mais cigarros numa caixa do que amigos. O excesso, sempre estraga tudo.

Mas ser uma pessoa resguardada me encaminhou para profissões de bastidores. Sou o famoso "Trabalhador Invisível".


Aquele herói anônimo, fantasma nos corredores das empresas. O ninja das tarefas diárias, tão habilidoso na arte de ser ignorado que até a própria sombra já desistiu de segui-lo. Porque, claro, se fosse para ser visto, não seria o trabalhador invisível, certo? Pessoas como eu são os bravos e as bravas que, nas palavras de algum filósofo de boteco, “fazem o mundo girar”. E girar ele gira, só que as honrarias e os aplausos... ah, os aplausos ficam sempre para o FDP que aparece na hora da apresentação e que vai para o palco iluminado. Este recebe os louros e os flashes.


Quem aqui nunca passou por um trabalho onde você, pessoa dedicada, planeja, produz, gesta um projeto, daqueles que te arrancam o sono e deixam seus olhos com aquele olhar de panda insone. Você entrega tudo, perfeito, sem uma vírgula fora do lugar, e o que acontece? O chefe, aquele oráculo de sabedoria e estratégia, surge na reunião final como se fosse o próprio Thomas Edison, “criando” a lâmpada na frente de todos. E você ali (quando está "ali"), invisível, sem nem o consolo de uma menção honrosa no rodapé da apresentação de PowerPoint. Alguém me entende? Já sentiram isso?


É quase poético, de um jeito triste, como certas pessoas têm o dom de capturar todos os créditos como se estivessem caçando Pokémon raros. “Ah, mas eu lidero a equipe com visão estratégica,” dizem. Meu Ovo (desculpa) Estratégia de quê? De aparecer na foto? Porque a verdadeira batalha, aquela que acontece nas trincheiras do e-mail, no campo de guerra dos prazos apertados e das demandas impossíveis, sou eu quem luta. Mas a glória, quase nunca chega ao soldado raso.


"Trabalho invisível" não é só aquele que não é visto; é o que é feito nos bastidores, onde ninguém presta atenção, até que algo dá errado. Aí sim, um desfile de dedos acusadores! Somos sempre fantasmas até o erro acontecer e aí, o bom e velho trabalhador invisível, agora é jogado aos leões para que todos se divirtam. Cadê o vagabundo do "pensamento estratégico" nesta hora? É o primeiro a acusar "o erro é dele".


Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o trabalho doméstico, por exemplo, é uma das formas mais antigas e persistentes de trabalho invisível. Em 2019, estimava-se que cerca de 67 milhões de trabalhadores domésticos existiam em todo o mundo, sendo que a maioria esmagadora não recebe proteção legal adequada, nem reconhecimento pelo trabalho essencial que realizam (OIT, 2019).


A faxineira (que as vezes é a própria esposa, mãe, filha), é a primeiríssima lugar no que diz respeito a "Trabalho Invisível". Quem é que lembra de agradecer à pessoa que deixou o banheiro brilhando, sem aquele odor característico de estação de metrô?. Trazendo para uma das minhas profissões, o pessoal da pré-produção de eventos, que arranja os contratos, alinha as logísticas e garante que as flores no vaso do camarim estejam frescas é outra profissão invisível. Diretor de festival e grupos artísticos, no geral, é mais um destes que aparecem para as fotos e entrevistas (aqui tô falando de produção grande. Produção periférica, é geral ralando não importa a função).


Trago essa crônica em forma de desabafo pois do alto dos meus 40 anos, acho que cansei de dedicar minha genialidade, tempo, força, carisma forçado, entre outras dedicações forçadas que meu trabalho exige para esse bando de aproveitadores. Sempre me bate a porta uma vaga para ser um destes aproveitadores. Os tais do "Pensamento Estratégico". Mas não me iludo. O que preso na vida é tempo, família, as reais amizades, meu Corinthians, jogar uma pelada e resmungar.


Não quero trabalhar para pagar as contas e viagens de um patrão.


Logo, vou seguir nos bastidores, mesmo sabendo que na hora dos aplausos, outro estará lá recebendo eles por mim. Me irrita? Sim! Fico puto? Sim! Mas, tudo bem. É sempre muito bom cruzar com essas pessoas pelos corredores e poder olhar no olho delas e falar "Você ficou ótimo na apresentação do meu trabalho".


Quem é bom no que faz, dificilmente é substituído, e se for, logo aparece mais trabalho. Já, os imbecis funcionais do pensamento estratégico, esses dependem de nós. Os trabalhadores invisíveis. Sozinhos, só são roupas chics, perfumes caros e um óculos caro envolvendo um corpo vazio e disfarçando um cérebro colonizado.


Dizem que a história é escrita pelos vencedores. Mas se a história do trabalho fosse escrita por quem realmente trabalha, os capítulos sobre quem deveria receber os créditos seriam bem diferentes. Enquanto isso, seguimos invisíveis, movendo engrenagens, arrumando desastres, com a única certeza de que, no fim do dia, quando o show acaba e as luzes se apagam, somos nós que varremos o palco para o próximo grande número.


Funcionário Fantasma,

Bob Wilson



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