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Foto do escritorStela Alves

O Que Veste A Memória?

Tem cheiro de bolo.


Lembro o cheiro de bolo,

As vezes de fubá,

As vezes de laranja,

Mas sempre o cheiro de bolo.

 

O bolinho de chuva, salpicado com açúcar e canela.

 

Lembro a polenta, com molho de carne moída.

Na travessa, Marinex , oval, no centro da mesa.

Em um domingo qualquer.


 Lembro o cheiro de bolo.


Lembro as sextas-feiras Santas.

Paixão de Cristo.

O jejum dele e dela.

De quarta-feira após o almoço, até a Sexta-Feira Santa.

 

Lembro do bolinho de bacalhau.

Bacalhau ao molho.

Bacalhau ao forno, com ovo, tomate, pimentão, cebola, azeite.

Tudo simples. Muito simples.

 

Mas sempre o aroma do bolo.


Pode ser de fubá com erva-doce.

Pode ser de laranja com calda.

Pode ser de banana caramelizada.

 

Lembro do doce de laranja azeda.

Como ela dizia. Com muita calda e canela em pau.

As vezes brigadeiro de colher, com leite ninho.

As vezes doce de açúcar, tipo puxa-puxa.


Mas sempre o perfume do bolo.

 

Lembro também da feijoada.

Com tudo de direito, pé, língua, rabo, orelha.

O porco inteiro kkkkk

 

Tinha a maravilhosa galinha o molho pardo.

Tinha coelho na panela, prato dele.

Tinha o pão caseiro para o café da manhã.

Quase nunca comprávamos pão.


Com cheiro do bolo.


Saladas, legumes da horta, para a mesa.

Ela plantava várias sementes pelo terreno de terra.

Sobremesas do pé para a caneca.

Café coado no coador de pano para o bule.

Do bule para a caneca de alumínio, cada uma com o nome dos filhos.

Com bolo quentinho, saído do forno.

 

Tinha cheiro de bolo.

Lembro dele.

Lembro dela.

Mas tinha cheiro de bolo.

Lembro dela,

Lembro dele.

 

Ontem, com cheiro de bolo, sem ele, só com ela.

Hoje, sem cheiro de bolo, sem ela. Sem ele.

 

Hoje só desejo um colo para repousar a cabeça e descansar

Com cheiro de bolo.





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