Acho bem impossível trazer narrativas sobre minha própria vida de forma
autobiográfica. Em partes por que nem eu mesma consigo traçar uma linha
precisa dos acontecimentos marcantes da minha história.
Venho aqui informar-lhes de que não vou enviar uma narrativa autobiográfica.
Não vou dizer que nasci em novembro de 88 numa pequena cidade do interior
chamada Nova Granada. Também não vou escrever sobre como eu vim para
São Paulo com meses de vida, para morar com meus pais na casa da minha
avó na zona leste. Eu poderia até contar para vocês que cresci com duas irmãs
mais novas, mas não contaria que nossos nomes são iguais Ana Livia, Ana
Claudia, Ana Carolina.
Vejo o tempo como várias fatias de cenas da vida espalhadas pelo universo,
por isso não vou conseguir me auto-biografar. Posso soar arrogante, coitadista, pior, uma redação-sobre-minhas-férias-de-verão.
Então não vou contar as coisas boas e ruins que me aconteceram. Se eu fosse
contar, teria que começar dizendo que com um ano e meio eu fui tomar vacina
e virei a perna do jeito errado e minha perna ficou paralisada e eu parei de
andar, fiquei uns meses sem andar e minha mãe com um diagnóstico que não
voltaria, o nervo havia sido danificado. Com muita reza e promessas, eu voltei a
andar um dia do nada, levantei e chamei minha avó.
Minha madrinha pagou a promessa andando de uma cidade para outra com minha irmã no colo vestida de anjinho.
Precisaria dizer que minha infância foi tranquila, eu era quieta e
estudiosa até o dia que fui abusada sexualmente, e que não contei para
ninguém, guardei para mim, e tive gastrite-nervosa aos 6 anos.
Não vou nem comentar sobre o clichê de ser uma adolescente rebelde com
tendências gays, e isso bastou para que eu preferisse ler e ouvir qualquer coisa
a ter que fazer amigos e ser feminina. Mesmo assim posso dizer que fiz muitos
amigos estranhos como eu. Saudade de quem nós éramos. Tinha show punk
toda semana, a cultura punx salvando a vida de adolescentes tristes, amizade
segurou legal. Até começarem a espalhar por aí que eu era uma jovem fácil de
levar para cama, que tinha nudes meus espalhados pela internet, que eu dava
para qualquer um, e por aí vai. Voltei a ter uns 2 amigos no máximo. Quando
num lance furtivo do destino, tirei uma nota boa no Enem e consegui uma bolsa
numa faculdade particular. Cursei administração por terríveis 4 anos. Sempre
acabava sendo demitida, sempre acabava bebendo mais do que devia em
qualquer bar, vestida com roupa social, perigando perder o último ônibus para
São Miguel. Fiquei tentando mudar de carreira até conseguir uma vaga de
produtora de objetos, dai posso dizer que comecei a me vestir como eu
gostava e trabalhar e conhecer gente nova. Mas eu definitivamente não vou
contar que sofri sempre de depressão e ansiedade, que lutei muito para tentar
cuidar dos sintomas só com terapia, mas hoje em dia me sinto melhor e mais
capaz sob os efeitos desses remedinhos.
O que posso dizer é que hoje tenho um emprego fixo, faço uns trabalhos
paralelos, tenho uma gata chamada Belinha que me acompanha há 5 anos. Tenho um companheiro que me ama pelo que sou e voto no Lula.
Escrevi esse parágrafo acima para que essa narrativa não soe como minha carta de suicídio.
Eu vivo hoje com todos esses episódios com o lema de que
seria cômico se não fosse trágico.
Desse modo, espero que entendam que não tenho condições de elencar
episódios que fazem parte de mim e que me fazem ter muito orgulho de
quem sou.
Um abraço.
Ana Lívia faz participa do projeto É DIA DE ESCREVER no Grupo de Mulheres.
Quer trocar uma idéia com ela? Basta segui-la no @nanolivio
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