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Foto do escritorGoretti Giaquinto

Seria Mais Fácil Brincar de Bonecas


Fonte: Designed by Pixabay



Vez em quando vem a vontade de mexer nas caixas de recordações. São muitas, com diários, fotos, recortes e papéis antigos, guardados sem ordem cronológica, impregnados de sentimentos e lembranças esmaecidas. O manuseio desse material abre cenas e emoções de épocas, e relembro minha trajetória.

Sorrio vendo meus irmãos, sete filhos gerados em escadinha, as duas do meio — eu e minha irmã — num parto gemelar. A casa tinha de ser grande para caber a família e agregados. Sem casa própria, foram várias mudanças, até chegarmos a uma casa pequena, ajuste na condição financeira. Mudanças que me assombraram sobremaneira que ainda trago em pesadelos. Fase em que perdemos nosso pai e a ingenuidade de crianças.

Ver fotos da família me faz lembrar de outras caixas — muitas ainda lacradas — trazidas na minha mudança do nordeste para o sudeste, num desafio de culturas diferentes que me fizeram recolher sotaque e palavras, trazendo outros roteiros.

Mexo nas caixas que trazem cenas de brincadeiras com bonecas, jogos com bola e tabuleiros, meninos e meninas envolvidos no que podia se transformar em algo divertido. Períodos de brigas, pazes, arranhões, quedas. Primeira paixonite. Algumas fases me fizeram buscar ajuda terapêutica, para reinventar minha própria vida.

Pela facilidade com o desenho, fui para a área de planejar o sonho de outros. Relembro uma realidade dura, onde não poderia simplesmente fechar os olhos ou mudar de canal. O tempo se dividiu entre estudar e trabalhar para me custear. Descortinam-se lembranças da maternidade, cartinhas de amor e lembrancinhas de quem me foi trazido para afirmar que minha vida deveria continuar. Passei ao cuidar de quem dependia de mim, e despertei para um amor real, que me fez sentir o tamanho e a dor do amar sem restrições.

Ah, quantas caixas, arquivos e pastas espalhadas por armários e gavetas da minha mente! Caixas ingratas, que não tenho coragem de dar fim!

A bagunça nas caixas retrata sequências gravadas sem direção, sem roteiro, espontâneas e impulsivas, que me fizeram viver à margem de desejos reais. E que mostram a mudança do tempo. Hoje, em uma contagem regressiva, vejo meu corpo cheio de marcas irreversíveis, apontados pela voz autoritária que permanece ressoando em mim. Às vezes me acordo do silêncio, para lembrar que a vida é ação cheia de atalhos e retalhos, de cenas repetidas e reescritas.

Resta-me recolher a saudade espalhada no chão e criar saudades em novas cenas escritas por mim mesma.


Desafio #17: Autobiografia

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