"Un soir, j'ai assist la Beauté sur mes genoux. — Et je l’ai trouvée amère. — Et je l’ai injuriée."
"Uma noite, coloquei a Beleza sobre meus joelhos. - E a achei amarga. - E eu a insultei."
Rimbaud.
O céu ardia num alaranjado incandescente e o sol de fim de tarde crescia, amarelo e implacável, diante dos olhos de Julia. Imóvel diante da janela de vidro amplo que dava pro horizonte restante do canto da cidade onde morava, seu pensamento vagava como um espectro, descolado do corpo.
Aquela imagem deslumbrante do astro rei exercia o mesmo poder de atração do corpo celeste em si, sustentando planetas e perplexidades com a mesma magnitude.
Julia havia comprado pães, ligado para Marta, escolhido capas listradas para almofadas em uma loja online, mas o impacto sublime da mistura incompreensível das cores do entardecer, dos tons prestes a derreter e sumir num apagar mortal das luzes a tirou do chão, imobilizou seu corpo, que transpirava.
O relógio de parede cantava pelas engrenagens, os carros passavam sem parar pela rua dez andares abaixo, o celular acendia e vibrava no sofá exclamando as exigências do seu chefe. Mas as retinas de Julia vibravam só o necessário. Sua coluna ereta sustentava o desmoronamento do tempo fortificada pelo pilates.
Julia vagava pelo sistema solar, observando de longe o planeta água evaporar sob os olhares saturninos, marcianos e venusianos. E se perguntava: como viemos parar aqui?
A porta da sala se abre depois de ruídos de chave e fechadura. Isa entra com a mochila do João Victor na mão e diz que a professora pediu "pra falar com senhora, dona Julia". João Victor chuta o tênis em qualquer direção, se joga no sofá, liga a televisão e procura qualquer besteira no Youtube. O tênis voa e acerta as pernas de Julia. Ela só responde, "ok".
Isa diz que já vai. João Victor se mete no quarto, Marta chega, toma banho e diz que o escritório tava um inferno hoje. Reclama que Julia está aérea e pergunta se ouviu o que ela tinha dito.
"Sim. Estava um inferno hoje."
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