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Foto do escritorGattorno Giaquinto

Uma Figura Excêntrica em Viagem

(referência de imagens: mídia do Wix)



Minha primeira viagem para a Europa foi criteriosamente planejada pelo namorado da época. Não que eu tive muitos namorados, em outras épocas, mas este foi um marco na minha vida, porque planejamos viajar juntos. Diz a lenda que, se um namoro sobrevive a uma viagem, onde o casal convive por 24 horas a fio, o namoro vai durar muito tempo. No meu caso, durou - exatamente cinco anos.


O namorado fez o roteiro, e eu aceitei sem mudar nada. Confesso, com muita vergonha, que a única matéria da época do colégio que fui mal, foi em Geografia. O namorado me dizia, excitado, por onde andaríamos, as cidades dos diversos países, e eu o olhava com olhar apaixonado, sem nem entender para onde iríamos, quanto mais onde as cidades ficavam. Verdadeiro vexame geográfico. Seriam 20 dias, 5 países, 10 cidades ao todo. Viajaríamos de trem entre as cidades, dormiríamos em albergues, uma única bolsa com nossas roupas - uma calça jeans para cada, 3 camisetas, algumas calcinhas e cuecas, sabonete, pasta de dentes e escovas. Lavaríamos as roupas nos albergues, ao chegarmos dos passeios, à noite. Verdadeiros mochileiros.


Num dos trajetos de trem, uma casal austríaco entrou no nosso vagão de madrugada, escancarando a porta com muito ruído. Geralmente, escolhíamos vagões onde pudéssemos ficar sozinhos, mas desta vez não tivemos sorte. Fomos acordados pelo casal, e o cavalheiro senil estava vestido como as marionetes e os garotos do filme A Noviça Rebelde. Não cantou olei-ole-hihi nem olei-olei-haha quando sentou, mas puxou do bolso um charutão fedorento, enorme, que acendeu ostensivamente na nossa frente. Infelizmente, o vagão era para fumantes, único livre quando embarcamos; mas estava um frio tremendo, e mantivéramos, até aquele momento, as janelas cerradas.





referência:

Quando o indivíduo acendeu o dito charuto, tossimos para alertá-lo como estávamos incomodados, mas ele ignorou nossa tosse. Eu então catuquei o namorado e mandei ele abrir a janela da cabine. Ele tentou contra-argumentar, mas cumpriu a 'ordem' dada - éramos, os dois, não-fumantes, e a fumaça provocada era muito incômoda. O austríaco levantou de súbito, assim que a janela foi aberta. Com seu corpão, passou por cima de mim, e fechou a janela, resmungando estrondosamente em austríaco-alemão algo que não entendemos. Depois, foi se sentar calmamente, continuando a fumar.


Inconformada pelo odor do típico cigarro de tabaco, e arretada pelo fato do grosseirão ter quase me atropelado, eu catuquei de novo o namorado. Ele me olhou, implorando para eu me aquietar. Decidida, com uma coragem sustentada por uma extrema raiva, eu me levantei e abri a janela. Depois, olhei desafiadora para o grosseirão, xingando-o mentalmente. O ar da cabine ficou tenso por um momento. Vale ressaltar que a figura originada dos Alpes era o triplo de minha estaura, e talvez o dobro do meu acompanhante.

(referência: GIF do Wix)

Com cara de que iria me matar, o excentricamente vestido gigante deu um pulo e se encaminhou na minha direção. Antes dele alcançar a janela, fiquei em pé na minha cadeira, pus o dedo em sua cara de monstro-vestido-como-marionete-para-comer-criancinhas, e gritei em bom português : "se você pode fumar aqui dentro, eu posso abrir a janela. Direitos iguais para todos nós, pagantes!". Falei gesticulando muito, com meus dedos fingindo fumar, seguido de gesto de negativa, encerrando como se estivesse abrindo a janela. Ele ainda falou algo em alemão, no que eu rebatia, calorosamente, em português.


Não sei se foi meu ato de coragem, paixão no meu gesticular, ou minha cara de extrema fúria, o danado olhou para mim, apagou o charuto, e se sentou, com alguns grunhidos irreconhecíveis saindo de sua boca. Meu namorado arregalou os olhos, pensando que iríamos ser esfaqueados. Ainda me passou sermão, dizendo ser minha culpa se o casal abrisse um caso contra nós, e a polícia nos convidasse a sair do trem. Alguns minutos passados de extrema tensão, o trem parou numa estação. O casal saiu como entrou, com muito barulho. Ficamos no aguardo do que aconteceria.

Não voltaram. A polícia não veio nos prender, e conseguimos, finalmente, cochilar por mais algumas horas, antes de alcançarmos a próxima cidade. Ao acordarmos, caímos na risada pelo ridículo da situação, eu falando português, ele xingando em alemão. História que guardamos para contar aos amigos, no nosso regresso!

 


 

Gattorno Giaquinto

Desafio # 62: Turistando

1. Invente um local para o qual foi viajar

2. Invente um personagem excêntrico que você irá encontrar

3. Escreva um conto livre de caracteres com um final surpreendente

 

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2 Comments


Minha bisavó era espanhola e morava ao lado da casa dos italianos. Ambas famílias só falavam suas línguas de origem, mas minha bisavó era amiga da italiana; as duas passavam a tarde conversando em gestos. O que vale nessa vida são as experiências que podemos contar por uma eternidade.

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Verdade, o que vale mesmo é tentar se comunicar!!

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